Em uma era tão digital, o título deste post poderia facilmente ser “O que as pessoas escrevem, o que eu leio”. (Quem nunca testemunhou ou viveu um conflito com outro alguém devido a uma interpretação errada do que se leu aqui ou ali nas redes sociais?)

Quanto conflito desnecessário surge em função dos ruídos de comunicação que ocorrem em nossos ouvidos (ou nossos olhos)! Escrever sobre isso não é fácil, uma vez que sei que mesmo buscando ser o mais clara possível, serei vítima de interpretações equivocadas e da fúria de egos feridos. No entanto, aqueles que já foram meus alunos, pacientes ou que já assistiram a algumas palestras comigo, irão captar bem a mensagem (isto, porque eu costumo trabalhar bem este assunto na prática clínica e em seminários e palestras).

A primeira coisa que precisamos pontuar sobre este assunto é que nem tudo que eu ouço (ou entendo) é o que a pessoa de fato disse. Pense na seguinte cena: o marido chega em casa depois de um dia de trabalho e, quando deita para dormir com a esposa, diz a ela:

– Meu bem, você não quer entrar na academia comigo?

O que a esposa ouve? Ah, isso depende da esposa. Tem esposa que ouve “querida, acho que estamos muito sedentários e estou querendo mudar isto este ano, você quer mudar junto comigo?”, tem esposa que ouve “ô sua gorda, já que você não toma uma atitude sozinha pra entrar em forma, estou lhe dando mais uma chance de dar um jeito nesse peso, lhe convidando para ir à academia comigo”, tem aquela que ouve “meu bem, quero entrar na academia, e faço questão de ter a sua companhia”, e entre tantas outras possibilidade tem aquela que finalmente (e simplesmente) ouve “meu bem, você não quer entrar na academia comigo?”

Para cada forma como a esposa ouve, haverá uma forma diferente de se sentir e de agir. E você pode imaginar que a esposa do segundo exemplo não irá se sentir muito feliz, e talvez não responderá adequadamente ao marido.

Existem diferentes formas distorcidas de entendermos o que ocorre ao nosso redor e o que as pessoas dizem. Estas formas distorcidas são construídas ao longo de nossa vida, a partir das experiências e dos exemplos que tivemos desde a infância. Mas o fato de nos acompanharem há tanto tempo não significa que não possam ser mudadas. É possível trabalhar (e para isso alguns recorrem à orientação psicológica) a nossa forma de ler a realidade, e com isso aperfeiçoar nossa compreensão do que o outro quer nos comunicar.

Existe um livro chamado “O que os homens dizem, o que as mulheres ouvem” da Dra Linda Papadopoulos. Somente o primeiro capítulo já vale a compra do livro, se a pessoa conseguir compreender o que a autora diz ali. Lá, ela apresenta diferentes tipos de distorções cognitivas, que costumamos trabalhar com os pacientes na Terapia Cognitivo-Comportamental, que são comuns em conflitos que ocorrem nos relacionamentos. No caso do livro, os exemplos se direcionam ao relacionamento entre homem e mulher, mas as mesmas distorções se aplicam a qualquer tipo de relacionamento.

Precisamos entender também que se eu fiz uma determinada leitura do que a pessoa disse, essa leitura pode refletir algo que eu mesma penso sobre mim. A esposa que entende que o marido a está chamando de gorda pode realmente estar insatisfeita com o peso dela, enquanto o marido não está nada incomodado com isso. Aí ela interpreta a fala dele a partir de algo que ela mesma pensa sobre si. Mas como é algo desagradável, então ela se ofende. Às vezes nos chateamos com as pessoas porque elas disseram isso ou aquilo, mas o fato é que fomos nós que entendemos isso ou aquilo, e este entendimento que tivemos reflete algo que não gostamos em nós. Como se diz no popular, “a carapuça serviu”, e é comum que as pessoas não gostem quando isso ocorre.

Mas, se a carapuça serviu, por que se chatear com o outro? Se você se identificou negativamente com algo oriundo da sua interpretação da fala do outro, não é mais produtivo refletir se não está na hora de mudar aquilo em você ao invés de se chatear ou até mesmo criar conflito com a outra pessoa? Pessoas maduras ouvem críticas sobre si, ponderam, e ao invés de se ofenderem, agem em prol da mudança. Mas, pessoas que não são maduras emocionalmente, ouvem críticas (ainda que o outro nem tenha feito uma), se chateiam e continuam sendo aquilo de negativo que elas acreditam que o outro disse que elas são. Quem mais perde com isso? Certamente quem está ouvindo (entendendo) mal!

Por fim, ainda que eu tenha entendido corretamente o que o outro disse (cuide apenas para não pensar que você sempre entende corretamente, porque eu tenho certeza de que não é isso que ocorre 100% das vezes), me importar com aquilo (e criar conflito) é uma escolha minha!

Há algum tempo eu parei de sofrer desnecessariamente com esse tipo de coisa, praticando algo muito simples – eu costumo buscar uma forma positiva de interpretar o que o outro diz, mesmo quando parece óbvio que trata-se de uma provocação à mim. Meu marido costuma dizer que eu sou muito positiva, e acho que pode ser por causa disso. Se alguém, no trânsito, me ultrapassa em alta velocidade e sem utilizar a seta, algo que eu costumo pensar é que a pessoa pode estar numa urgência (quem sabe a esposa está em trabalho de parto dentro do carro). É possível, não é? Por que então não pensar por este lado? O mesmo eu faço quando alguém escreve algo na internet que aparentemente é uma tentativa de me provocar. A tentativa da pessoa só terá sucesso se ela conseguir me provocar, e por isso eu escolho entender de uma forma que eu não me sinta provocada. Para alguns, isto é viver como um bobo, para mim, isto é viver tranquila.

O fato é que eu não tenho nenhum controle sobre o que o outro diz ou escreve, mas tenho controle sobre como minha mente lida com o que o outro diz ou escreve. Ao invés de me incomodar com aquilo que não posso controlar, eu escolho me ocupar com aquilo que depende de mim. Isso me faz tão bem! E faz bem às demais pessoas que eu conheço que costumam agir assim. E quando alguém resolve ‘tirar satisfação’ comigo, porque se chateou com algo que eu falei, minha resposta em geral é “isso é o que você entendeu, e o que você entendeu não é necessariamente o que eu falei”. E eu sempre tenho a esperança de que a pessoa entenda que se ela considerar por alguns segundos esta minha fala, o conflito se torna dispensável (na realidade, ele nem se inicia). 

Viver bem e se relacionar bem requer, entre outras coisas, ouvir/ler bem. E isto é uma escolha que qualquer um de nós pode fazer!