“Três em cada mil pessoas do mundo já sofreram ou sofrem com algum tipo de trabalho forçado, isto é, estão presas em empregos que lhes foram impostos por meio de coação ou de engano e dos quais não podem sair, diz um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).” (G1).

Três em cada mil (cerca de 20,9 milhões de trabalhadores). Eu arriscaria dizer que essa estimativa é otimista. Acredito que mais do que três pessoas em cada mil, sofrem algum tipo de trabalho forçado. Claro que a notícia divulgada se refere a casos de exploração sexual forçada, trabalho forçado em prisões, etc. Mas não são apenas nesses casos extremos e chocantes que as pessoas se sentem coagidas ou sofrem por sentirem-se forçadas ao trabalho.

Diariamente, novas necessidades são criadas, e as pessoas são convencidas de que necessitam consumir coisas para ser alguém, para ter algum valor. O ser humano é, cada dia mais, medido pelo que possui, pelos bens materiais que é capaz de exibir, e essa busca desenfreada por bens de consumo também é fonte de escravidão do trabalho. Quantos não se submetem a “trabalhos forçados discretos” para dar conta de suprir todas as suas necessidades? Fazem horas extras, se empenham em mais de duas jornadas de trabalho, colocam em risco a saúde, qualidade de vida e os relacionamentos sociais,… são forçados ao trabalho pelos ideais materialistas.

É bem verdade que suprir as necessidades básicas também custa caro, e boa parte das pessoas não teria condições de dar conta dessas necessidades caso não se submetesse a uma sobrecarga de trabalho. Essa é uma infeliz realidade – os vergonhosos salários oferecidos ao trabalhador (sem contar a carga tributária que consome boa parte deles)!

E quantos não se tornam escravos de uma profissão que lhes faz infelizes, unicamente pela “estabilidade” que ela oferece? Pessoas passam em concursos públicos, por exemplo, e se tornam escravas de uma estabilidade que lhes alimenta o temor de arriscar trabalhar com algo que realmente lhes faça felizes. O mercado oscila, e realmente gera insegurança a muitos, mas quem disse que estabilidade é sinônimo de realização profissional?

Em minhas “andanças” por aí, com palestras, consultório e simples conversas, tenho conhecido pessoas que se tornaram, de alguma forma, escravas do trabalho. Pessoas que adoecem, que sofrem, mas que não conseguem se desligar de uma determinada atividade profissional. As exigências, tanto das necessidades reais como das necessidades criadas, são grandes, e arriscar trabalhar e ser feliz ao mesmo tempo gera insegurança. São pessoas que se submetem ao desrespeito por parte dos superiores e colegas, seja por meio de palavras ásperas, ameaças, cobranças infinitas, ou assédio moral. Algumas até possuem certa coragem, mas como não estão sozinhas no mundo, como têm uma família que depende do seu trabalho, acabam se sujeitando e desistem de arriscar.

Esses casos de “trabalho forçado discreto” (como escolhi chamá-los) podem não se tornar manchete de jornal e podem ocorrer sem que os próprios trabalhadores tomem consciência, até o dia em que o corpo disser “chega” ou a vida social se tornar um lixo. Esse tipo de trabalho não combina com a ideia de que “o trabalho dignifica o homem”, mas é uma violência psicossocial velada, uma escravidão com correntes invisíveis, uma fonte inesgotável de doenças psicossomáticas.