Recentemente li uma matéria intitulada “As cópias da princesa”. Como psicóloga foi impossível não lançar um olhar profissional sobre o assunto.
Para resumir a matéria, trata-se de mulheres que vivem em função de parecerem-se com a princesa Kate, para trabalharem como sósias. Como estas, existem centenas de outras pessoas que trabalham como sósias de outros membros da família real, assim como de outras personalidades. Uma das sósias mais requisitadas de Kate, entrevistada para a matéria da revista, está atualmente perdendo espaço no mercado para uma outra sósia cuja forma física está mais semelhante à da bela princesa magrinha.
Alguns pontos em especial me chamaram a atenção:
Primeiramente, a fala da sósia que está perdendo trabalho por não manter a mesma forma física de Kate – “Eu queria que Kate voltasse a engordar um pouco, se não, não vou mais poder fazer esse serviço“. Aqui encontramos um famoso problema humano de percepção – é o outro que precisa mudar, e não eu. A indignação da moça na matéria é porque Kate magra é sinônimo de desemprego para ela. De igual modo, no mercado de trabalho encontramos centenas de pessoas que estão desempregadas porque ninguém dá uma oportunidade, que estão insatisfeitas porque o patrão é arrogante, e que não conseguem uma promoção porque os colegas de trabalho atrapalham suas possibilidades de alavancar a carreira. E enquanto o problema está no outro, nada pode ser feito. Enquanto Kate não engorda, eu me chateio com ela por causar meu desemprego. Enquanto a vida do outro não muda, eu escolho não viver como poderia.
Outro ponto que me chamou a atenção para desenvolver a temática aqui no site foi a fala de uma segunda sósia, a que está, atualmente, sendo mais requisitada para figurar Kate. Ela diz: “O fato de que minha vida já não me pertence mais realmente bagunça a minha cabeça“. Isso porque para ser sósia de Kate ela precisa viver, em parte, a vida de Kate. O corte e a cor do cabelo, a postura, a roupa, o sorriso, o olhar, o tom de voz, o sotaque, peso, altura… tudo, absolutamente tudo, precisa ser como o da princesa. Essa é a exigência para trabalhar como sósia de alguém – representar perfeitamente esse alguém. Quanto isso custa? Viver uma vida a um modo que não é seu. Isso lhe soa familiar? Quantas centenas de pessoas vivem hoje “uma vida a um modo que não é seu”? Para se adequarem a determinada função, adotam uma série de aspectos que não lhe pertencem, e se perdem em si mesmos e numa vida que, “por motivos de trabalho” (como se costuma justificar tantas coisas), escolheram viver. Tornam-se escravos, em época de liberdade, de um trabalho que deveria lhe proporcionar condições de vida, uma vida que acaba não sendo vivida.
E se você é patrão, não se chateie comigo. Não desejo convocar uma revolução entre seus funcionários. A reflexão é pra você também. Que vida é essa que você vive?
É muito fácil ler a matéria que li, e julgar absurda a forma como pessoas que ganham a vida como sósias se submetem a viver uma vida que não lhe pertence. Minha questão é: até que ponto somos diferentes? Até que ponto, para permanecer no mercado de trabalho, você escolhe não viver a sua própria vida?
Em parte, as questões que levantamos aqui nos orientam para a compreensão da existência de tantos problemas de saúde (física e mental, se é que ainda é possível tratá-las separadamente) relacionados ao trabalho. Muitos trabalhadores, atualmente, desconhecem quem são, e a vida que poderiam viver, e isso se revela através de sintomas.
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